Morar de Corpo e Alma

por Alvaro Guillermo
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Parece que iremos tratar de arquitetura e design, mas não. Me refiro à vida, aquilo que de fato demarca nossas vidas: o tempo. Nosso tempo como seres humanos de corpo e alma em determinado espaço.

O termo morar, vem do Latim MORARI, que significa retardar-se, diminuir o ritmo, por isso insisto na importância do Slow design. É a mesma origem de “demorar”, aquilo que consome mais tempo. Ou moroso, que se desloca lentamente.

Quando sentimos necessidade de retardar o ritmo acelerado de nosso dia, e percebemos que nesse momento estamos nos sentindo melhor, vamos ficando nesse ritmo e lugar, queremos permanecer e nos estabelecer aí, viver assim, este é o real conceito de morar e consequentemente moradia, o local onde nos estabelecemos para sentir este tempo mais lento.

É por este motivo que muito antes de tratar de arquitetura ou design, devemos entender o morar como uma relação de tempo humana, de corpo e alma. Não é um tempo ditado por máquinas ou tecnologia, é o ser humano no centro definindo o seu ritmo.

A moradia é muito importante para nós, pois nos coloca no centro e no início, e desta maneira nos sentimos especiais.

Perceber o tempo de nossas vidas envolve nossos sentidos, nosso raciocínio, a capacidade de avaliar e julgar o que é melhor para cada um de nós. Morar permite sensações pessoais que constroem nossa memória e um imaginário pessoal que fará parte de nossa identidade.

Quando a Casa Cor apresentou o tema deste ano, Corpo & Morada fiquei bem feliz, precisamos nos aprofundar cada vez mais, mergulhar em conceitos, estudar princípios, refletir filosoficamente para propor ideias.

A arquitetura e o design são essenciais para a vida humana para serem tratados superficialmente como adereços.

A mostra se apresenta assim com espaços mais cenográficos, onde os conceitos são mais proeminentes que soluções técnicas. A palavra cena vem do Latim scaena, que significa “palco, cena”, e do Grego skena, com o mesmo significado, originalmente “tenda, cabana”, relacionado a skia, “sombra”, pela noção de “algo que protege contra o sol” por isso os primeiros teatros era nômades, com tendas, como circos

Os visitantes devem participar da mostra como se estivessem numa peça teatral, ou da apreciação de uma obra de arte, deixando as sensações pessoais se manifestarem e refletindo sobre o conceito que os profissionais estão apresentando em seus ambientes.

Por exemplo: perceba uma escada curva que se inicia com uma pedra como primeiro degrau no ambiente de Ticiane Lima, gostou? Por que ela propôs isso? Por que depois do piso cerâmico o musgo nos leva a plantas de espécies brasileiras e no meio você encontra alecrim no jardim de Alex Hanazaki? Assim como tiras de panos de rasgados fazem o movimento do forro do restaurante grego de Carla Felippi, em referência a ilha de Miconos no Brasil.

Perceba que Erica Salgueiro coloca a árvore no centro do palco, é uma árvore na ilha gourmet ou uma cozinha em torno da árvore? Na busca de essência Paola Ribeiro nos faz pensar sobre a escala humana e a altura da morada. A luz determina nosso caminhar, o espaço pode ser lido como uma poesia, é a luz técnica de Guinter Parschalk. O tempo que marca história e se mantem presente é desta maneira atemporal? Sig Bergamin.

Pensar no motivo das aberturas amorfas do espaço Horta de Vilaville Arquitetura, ou que nos leva a colecionar arte, por que isso é bom? Nos questiona Carlos Navero, ou por que guardamos objetos de memória? A moradia é uma construção de nossas vidas?  R. Caminada e T. Penteado.

E nossa identidade pode ser alimentada por valores regionais? O que é ser carioca? Propõe M. Salum. E o que mantemos em nosso DNA? O que existe em nós que nos aproxima do primitivo e não nos afasta da inovação com alta tecnologia? Questionam BC arquitetos.

O percurso é longo são muitos ambientes, muitos questionamentos. O necessário para nos fazer pensar. Pouco em relação a nossas vidas.

Eu tomei a liberdade de acrescentar a esta reflexão, entre o corpo e a morada, a alma.

Alma do latim Anima, significa “ar, “sopro”, “vida”, Ser”. Daí a palavra animar, dar vida, como no desenho animado, quando nos libertamos dos pré-conceitos, vemos a vida dos personagens de desenho. Também associada ao ar e sopro, que determinam nossa vida, sem ele não vivemos, e nos despedimos com um último sopro.

Morar é ter esse momento onde nosso corpo pode sentir o tempo de forma mais lenta e duradoura, onde somos o ator principal das nossas vidas, onde nos sentimos animados a construir nossa história numa conexão com o meio ambiente que nos permite “ser” humanos.

Fonte: Programa DEXperience

Alvaro Guillermo, especialista em economia criativa, consumo e luxo, design e arquitetura. Autor de livros, palestrante e professor de cursos MBA na ESPM SP.

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